RESUMO: O não recolhimento de tributos, além de ser objeto de penalização no âmbito do direito tributário, pode ser enquadrado como crime previsto na Lei 8.137/90. A teoria da fraude desenvolvida pela doutrina espanhola e, aparentemente, adotada pelo Brasil, tornou-se meio de distinção entre quem deve ao fisco e quem é agente criminoso, sonegador de impostos. O crime só ocorre quando o agente se utiliza de meios fraudulentos, ardilosos, voltados a induzir o Fisco em erro, assim não recolhendo tributos.
1.INTRODUÇÃO
A função desempenhada pelos tributos nas sociedades ao longo dos anos evidencia sua transcendência para toda a coletividade (BITENCOURT, Cesar Roberto e MONTEIRO, Luciana de Oliveira, Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p.33). A ordem tributária é, então, bem jurídico que protege valores que ultrapassam o indivíduo e tem relação com toda a sua visão de mundo. (BRITO, Alex Couto, Imputação objetiva: crimes de perigo e direito penal brasileiro. V.2. São Paulo: Atlas, 2015, p.145). Os delitos previstos na Lei 8.137/90, que tutelam regras e princípios norteadores do Direito Penal e da ordem tributária, ultrajam a administração do erário e a arrecadação de tributos, o que afeta toda a coletividade.
Vejamos, então, o que é sonegação fiscal. Sonegação fiscal constitui toda ação ou omissão que tem por fim evitar o recolhimento de um tributo ou pagar menos que o devido (ATALIBA, Geraldo. Penalidades tributárias. Revista dos Tribunais. RT 852/745. 2006. Direiro penal econômico e da empresa: direito penal tributário, previdenciário e financeiro. V.5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.403). Como exemplo temos o contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, incidindo no tipo penal do art 2, II, da Lei n 8.137/1990.
2. O FIM DO DIREITO PENAL NA CRIMINALIZAÇÃO DO NÃO RECOLHIMENTO DE TRIBUTOS
O entendimento já consolidado pelos tribunais superiores é que o pagamento integral do tributo devido extingue a punibilidade se efetuado a qualquer tempo. O pagamento do tributo devido extingue a punibilidade, ainda que efetuado a qualquer tempo. Não há limite temporal da escusa absolutória. Tanto para o STF, quanto para o STJ, o pagamento do tributo devido justifica a extinção da punibilidade em relação a crimes tributários, mesmo após o trânsito em julgado de sentença condenatória, e, ainda que já iniciado o cumprimento da pena.
É de se observar, portanto, que o Direito Penal passou a ser uma forma camuflada de instrumento de cobrança tributária. O objetivo do legislador nunca foi, de fato, punir condutas que lesionam o bem jurídico, mas, sim, garantir a arrecadação tributária por meio da ameaça da privação de liberdade. O processo criminal se tornou um instrumento substituto da execução fiscal, porém, mais assustador (e, consequentemente mais efetivo), na medida em que ameaça o sujeito passivo com a privação da liberdade.
Em matéria de crime contra a ordem tributária, verifica-se que, na essência, O estado não quer a punição do infrator, mas almeja receber o valor do tributo, mantendo o padrão satisfatório da arrecadação (NUCCI, Guilherme de Souza, Leis penais e processuais penais comentadas. V.01. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.560).
3. REQUISITOS PARA CONFIGURAÇÃO DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
Como requisitos para a configuração dos crimes contra a ordem tributária primeiramente temos: o lançamento definitivo, a necessidade que haja um injusto fiscal, e indispensável verificar se houve, previamente, a concretização do fato gerador. Então, temos que nos delitos contra a ordem tributária está presente a dupla tipicidade, tipicidade penal e tipicidade tributária (MONTEIRO, Oliva. Dos crimes contra a ordem tributária. Revista Brasileira de Ciências Criminais. RBCCrim n.114/17-50, 2015. Direito penal e processo penal: parte geral. V.2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.566).
Outro requisito para que exista crime tributário é o dolo (fraude). O sonegador fiscal é movido pela intenção de não pagar o tributo, integral ou parcialmente. A mera dívida tributária, por si só, não é suficiente para configuração do crime. É preciso haver, na conduta do agente, a intenção de fraudar o fisco (ALALIBA, Geraldo. Penalidades tributárias. Revista dos Tribunais. RT 852/745.2006. Direito penal econômico e da empresa: direito penal tributário, previdenciário e financeiro. V.5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.400).
O emprego de alguma fraude objetivando a supressão ou redução do tributo devido conduz à efetiva diferenciação do mero devedor do fisco e do sonegador fiscal. Acreditar que há crime de sonegação fiscal em razão do simples descumprimento de uma obrigação tributária é confundir o ilícito tributário com o penal. É punir nas duas esferas (tributária e penal) o agente pela mesma conduta: descumprir dever de pagar o tributo. Nítida violação ao princípio constitucional do ne bis in idem. Importante destacar que o dolo não se presume, prova-se.
4.CONCLUSÃO
O recolhimento de tributos, por razões inquestionáveis, arrima o desenvolvimento das finalidades do Estado. A ordem tributária assume inegável bem jurídico supraindividual digno de proteção jurídica, tanto no âmbito do Direito Tributário, quanto do Penal.
Por sua vez, o Direito Penal não pode assumir o caráter de instrumento voltado a assegurar o recolhimento de tributos. Distinguir o espectro de incidência do Direito Tributário e do Penal na punição de condutas que atingem a ordem tributária consubstancia o mais importante pilar na prevenção de injustiças. Não se pode confundir o mero devedor de tributos com o sonegador fiscal. O primeiro é alvo de punição pelo Direito Tributário, ameaçado com penas de multas. O segundo é ameaçado por penas privativas de liberdade, além de multa, pelo impetuoso Direito Penal.
Para se configurar crime tributário é indispensável a demonstração, no caso concreto, de que o agente agiu com a intenção de, primeiro, induzir o Fisco em erro para em razão da referida ardilosidade (fraude) não recolher tributos. Ausente a fraude não há que se falar em crime tributário.
5.REFERÊNCIAS:
ALVES, Ana Paula Peres Falcão. Responsabilidade criminal dos contribuintes e a portaria srf 326/2005. Revista dos Tribunais. RT 846/465.2006. Direiro penal econômico e da empresa: direito penal tributário, previdenciário e financeiro. V.5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Direito penal tributário. São Paulo: Atlas, 2015.
ATALIBA, Geraldo. Penalidades tributárias. Revista dos Tribunais. RT 852/745.2006. Direito penal econômico e da empresa: direiro penal tributário, previdenciário e financeiro. V.5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes federais. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
BITTENCOURT, Cezar Roberto e MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013.
BITTENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal econômico. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
BRITO, Alex Couto. Imputação objetiva: crimes de perigo e direito penal brasileiro. V.2. São Paulo: Atlas, 2015.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Infrações tributárias e suas sanções. São Paulo: Resenha Tributária, 1982.
JUNQUEIRA, Gustavo e VANZOLINI, Patrícia. Manual de direito penal: parte geral. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Crimes contra a ordem tributária. Revista tributária e de finanças Públiocas. R. Trib 12/164, 1995. Direito penal econômico e da empresa: direito penal tributário, previdenciário e financeiro. V.5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
MONTEIRO, Rodrigo Oliva. Dos crimes contra a ordem tributária. Revista Brasileira de Ciências Criminais. RBCCCrim n.114/17-50, 2015. Direito penal e processo penal: parte geral. V.2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. V.01.8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. E.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Trad. Luís Grecco, Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
bacharel em direito, pós graduada em direito penal e processual penal
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIMENTEL, Marisandra de Almeida. Declarar ICMS, mas não recolhê-lo é crime? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2024, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /67160/declarar-icms-mas-no-recolh-lo-crime. Acesso em: 27 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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